Diana & Dario
-- Aqui é o Dario.
-- Dario, tudo bem?
-- Você precisa ver a luta que foi para conseguir achar você.Quem sabe não é Deus que está mandando você pra mim?
-- Quantos anos você tem? Você não tem voz de 50.
-- Tenho 35 (Na verdade, tinha 26).
-- Onde você mora?
--
-- Num daqueles condomínios?
-- Não, numa fazenda.
-- Você é fazendeiro?
-- Mais ou menos.
-- Tá, então vamos conversar pessoalmente.
--- Só que tem um problema. Estou impedido de minha liberdade.
-- Por quê? Vocé é casado? Seu pai não te deixa sair de casa?
-- Nem uma nem outra.
-- Então é o quê? Você não está preso, está?
-- Estou. Sou interno da Papuda.
Susto,decepção, silêncio, mas Diana logo se recompôs.
-- Não me liga mais, por favor.
-- Isso é preconceito seu.
-- O que você fez?
-- Nada.
-- Como nada? Você estuprou?
-- Não.
-- Matou?
-- Não.
-- Roubou?
-- Não.
-- Fez o que, então? Na igreja é que você não estava.
-- Só conto pessoalmente.
-- Nem pensar. O último lugar no mundo que eu gostaria de ir é na cadeia. Até hoje na minha vida só entrei uma vez numa delegacia, pra tirar a identidade.
-- Por favor, me dá uma chance. Quando ouvi sua voz no rádio, senti uma coisa no coração. Posso pelo menos te ligar novamente?
-- Você liga. Se eu estiver, a gente conversa. Se não, me esqueça.
Essa história começou assim: Fazia três meses que Diana, 49 anos, estava numa dolorosa e demorada travessia de fim de um amor. Tinha mandado o companheiro embora de casa por causa da cachaça que ele entornava todos os dias. Foi-se o problema, ficou a saudade, o corpo abandonado de mulher, a solidão deitada do lado direito da cama.
Vendo a tia se afogando no mar dos mal-amados, uma das sobrinhas decidiu prescrever o mais antigo dos remédios para os males do amor: um novo amor. Diana, três ex-maridos, três filhos, morena, olhos claros e incisivos, corpo redondo e bem torneado, ombros abertos para o mundo e sorriso sempre pronto. Se dependesse da sobrinha, a tia logo arranjaria um namorado. Ela mesma ligou para um programa de rádio que promove encontros amorosos e deu o perfil de Diana e suas pretensões. Procurava um homem acima de 50 anos, solteiro, para amizade, quem sabe futuro compromisso.
Na noite seguinte, um sábado, o locutor ligou para Diana e a colocou no ar. Depois de conferir o perfil da ouvinte, pediu que ela contasse uma piada sem graça. Diana contou uma de papagaio, picante, pornográfica. "Não consegui dormir aquela noite, foram mais de 50 telefonemas, um bando de menino."
De seu radinho de pilha fraca e chiadeira forte, Dario não conseguiu ouvir o último número do telefone de Diana. Guardou o número capenga assim mesmo e na manhã seguinte ligou para todas as alternativas: 000 0000, 000 0001, 000 0002, 000 0003… até chegar aonde queria. Deu-se a conversa transcrita acima.
Dario tinha jogado a isca, era esperar passar o susto. Ele sabia que não seria impossível. Já tinha tido vários encontros na cadeia desde que fora condenado a 20 anos de prisão por latrocínio.
"Nem pensar, nem pensar", decidiu Diana depois de desligar o telefone. Dario havia combinado de ligar no dia seguinte às cinco da tarde. Até o meio-dia, ela trabalhou normalmente. Repetia para si mesma que era uma hipótese absurda. O desejo, porém, já tinha se instalado com sua potência incontrolável. À medida que se aproximava o horário marcado, Diana ficava mais e mais ansiosa. A voz suave e carinhosa de Dario ressoava em seu ouvido. O relógio tinha ficado inexplicavelmente preguiçoso e o coração, inesperadamente aflito. Quando o telefone tocou, sentiu um frio no estômago.
Conversaram mais alguns dias. (Mais tarde, esses telefonemas lhe custariam dura punição). Começaram a se corresponder. Ele derramando-se em declarações de amor. Ela encantada com o romantismo dele, o "princesa" escrito com tanto cuidado em longas cartas. Quando Dario propôs pela segunda que ela fosse visitá-lo na cadeia, Diana já começou a pensar concretamente na possibilidade. "É um pouquinho complicado na entrada", avisou Dario. Mal sabia ela os apuros pelos quais iria passar.
Quando deu por si, Diana estava dentro de um ônibus rumo à Papuda. Na porta do presídio, mais de mil mulheres. "A senhora não sabe que não entra com bolsa?", gritou a agente penitenciária na fila da revista. "Não, senhora". "Ah, é marinheira! (como são chamadas as mulheres que vão pela primeira vez à prisão). Pode deixar a bolsa ali, a mulher que guarda cobra R$ 0,50. Também não pode entrar de salto. O aluguel do chinelo é R$ 1,50".
O constrangimento estava longe de acabar. "Não tirou a roupa ainda por quê? Tem de tirar tudo. Agora, pode abaixar aí", as ordens se sucediam cada uma mais assustadora que a outra. Terminou com Diana tendo de se agachar sobre uma prancha de madeira na qual havia um chão de espelho. Ainda nessa posição vexatória, alguém passou um aparelho bem perto de seus órgãos genitais. É o "pica-pau", um detector de metais.
Quando o policial abriu o portão do pátio 3 e viu aquela multidão de homens olhando para ela, a marinheira deu meia-volta. "A senhora não pode sair agora. Só daqui a uma hora no mínimo". Não lhe restava alternativa senão enfrentar aquela multidão de olhos frios, irônicos, insinuantes, agressivos, de todo jeito. "Meu Deus, o que estou fazendo aqui? Isso aqui é o inferno". Não havia saída. "Quem a senhora veio visitar?". "O Dario". "É aquele na casa lá do fundo". Casa é como eles chamam algo parecido com uma cabana feita de cobertores esticados uns nos outros e que delimitam o espaço destinado aos presidiários e seus visitantes.
Diana seguiu em ziguezague por entre esse emaranhado de cobertores e gente até encontrar Dario. Conversa difícil, Diana completamente amedrontada naquela algaravia a que os presos dão o nome bastante apropriado de Rodoviária. Ele parecia extasiado: "Como você é linda!". Ela, assustada com o tamanho do homem. "Um armário" e com um fio de barba que contornava o rosto, cuidadosamente escanhoado. Mas nem a barba esquisita nem a Rodoviária nem o espelho nem o pica-pau tiveram o poder de mudar o rumo do desejo de Diana.
Ela voltou nas próximas semanas, e nas próximas. Suportou até a sala insalubre destinada às visitas íntimas. Uma cama de cimento, do tamanho solteirão, um cobertor sobre ela e nada mais. Um banheiro sem porta, um cômodo sem janela. A cada nova visita, mais o amor crescia.
Já se passaram quatro anos. Diana guarda um baú de cartas e presentes (artesanato feito pelos presos) que Dario lhe mandou. Uma das cartas tem
OS NOMES SÃO FICTÍCIOS
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