domingo, 26 de agosto de 2007

Amores Possíveis 9

Walter & Elza

Albert Einstein concluiu que o tempo é uma ilusão."A distinção entre passado, presente e futuronão passa de uma firme e persistente ilusão".Pouco mais de meio século mais tarde, o físico norte-americano Brian Greene explicou de um modo mais acessível a dedução do genial autor da Teoria da Relatividade: "Não há fluxo. Os eventos, independentementede quando ocorram, simplesmente existem. Todos existem. Eles ocupam para sempre o seu ponto particular no espaço-tempo. Se você estava se divertindo a valer no réveillon, você ainda está lá, pois esta é uma das localizações imutáveis do espaço-tempo".

E que diabos terá tudo isso a ver com o amor de Walter e Elza? Tudo, ou quase tudo, a ver. Mais de 40 anos depois de terem sido namorados, os dois se reencontraram e, apaixonados novamente, planejam casório. Ele, 80 anos. Ela, 76. Não é estripulia do destino. Foi a persistência do "réveillon" na memória afetiva de Walter. Talvez sem o saber, ele trouxe de volta o que sempre esteve no tempo presente, mesmo depois de quatro décadas.

Foi assim: Walter namorou Elza Miguel em CampoBelo, cidade a oeste de Minas Gerais, 50 mil habitantes,a 700km de Brasília. Ele, sargento formado pela Escola de Educação Física do Exército. Ela, normalista. Conheceram-se em Campo Belo, onde nasceram. Namoro a distância. Walter havia saído da cidade natal aos 6 anos. Distância geográfica e física, porque naqueles meados da década de 40, os namoros resumiam-se aos bate-papos. Os corpos das moças de respeito eram intocáveis até o casamento. Mais ainda para uma moça como Elza, de rigorosa formação católica e pais extremamente severos.

Se o tempo é uma ilusão, os sentimentos, não. As ações, menos ainda. Walter parecia saber disso. Quando se conheceram, mesmo morando no Rio, ele fazia por onde não ser esquecido. Ousou telefonar para ela, o que à época era quase uma aventura. Era preciso ligar no posto telefônico e marcar hora para falar com determina da pessoa da cidade. Elza ficou entusiasmada quando o mensageiro bateu a sua porta avisando-lhe que o namorado telefonaria em tal dia, tal hora. "Era um moço diferente, muito bonito, muito atencioso. Foi uma coisa boa", lembra-se a namorada.

Salvo esse telefonema e algumas visitas eventuais, foi um namoro por correspondência. "Uma carta pra lá, outra pra cá", conta Elza. Quando sua turma formou-se no curso de magistério, as novas professorinhas festejaram o diploma com uma excursão ao Rio de Janeiro. Walter foi um anfitrião atento e dedicado.Talvez demasiadamente. Num dos passeios, dançou por demais com uma normalista bonita. De volta a Campo Belo, Elza decidiu terminar o namoro. Mandou carta. O determinado Walter não respondeu. Foi ele mesmo à cidade para conversar com sua amada.Mas nem isso a fez mudar de idéia. "Eu estava decidida,não sei bem por quê."

Separam-se então. Ela casou-se em 1957. Ele, em1958. Viram-se casualmente duas ou três vezes. Tiveram quatro filhos cada um, coincidentemente três mulheres e um homem. Elza ficou viúva há 14 anos. Nunca mais namorou. Dava por certa uma velhice plácida, de avó, de atividades paroquiais, de reuniões familiares, sem grandes atropelos e, menos ainda, emoções retumbantes, porque isso, diz-se, é coisa da mocidade, quando muito da meia- idade.

Elza não sabia, mas havia alguém guardado para ela.O mesmo Walter determinado dos anos 40. Depois deter sido largado pela namorada de Campo Belo, o sargento do Exército fez valer o seu lugar no mundo. Foi vereador, tentou se eleger deputado e prefeito de Angra dos Reis (RJ), casou-se e, já funcionário do Superior Tribunal Militar, mudou-se para Brasília. Ficou viúvo no final do ano passado. Não quis esperar muito. Aos 79 anos, e sofrendo do mal de Parkinson, Walter sabia que, se o tempo é uma ilusão, é também implacável. E, quando se envelhece, ele não anda, corre.

Em dezembro, ligou para Elza. Disse que mesmo tendo tido um bom casamento, nunca havia se esquecido dela. "Posso te ver?" A namoradinha de Campo Belo ficou meio constrangida, mas o convidou para ir a Belo Horizonte, onde mora com duas filhas solteiras. Viram-se numa reunião familiar, mas Walter percebeu que ali havia jogo. Elza apareceu com o colar de pérolas que ele lhe presenteara 40anos atrás (os dois divergem quanto ao ano em que namoraram, se em 1945 ou em 1950).

Desde então, viram-se em quatro ocasiões, a mais recente no aniversário de 80 anos de Walter Maia, 1º de julho. Telefonam-se duas ou três vezes por semana. No começo, Elza estava reticente, assustada,"encabulada", diz ela. "Walter, eu tenho uma vida muito caseira. Vamos ter uma amizade sincera?" Mas Walter, o resoluto, não desistiu. Quis ver o filho mais velho de Elza, um homem de 48 anos, disse de suas intenções. Foi bem recebido.Mas Elza continuava hesitante. "Calma, Walter. Você está me cativando, quem sabe pode me reconquistar com o tempo", ponderava ela. "Mas a gente não tem muito tempo, não", insistia ele.

Como um velho e habilidoso relojoeiro, Walter pôs o tique-taque das emoções de Elza para funcionar novamente."Quando vi, estava pensando nele o dia inteiro.‘O que está acontecendo comigo?’, eu me perguntava".Dia desses, uma de suas filhas lhe perguntou:"Mãe, a senhora passou blush no rosto?". Elza não estava usando nenhuma maquiagem. Estava contando para uma amiga a sua história com Walter.

Elza continua a mesma moça recatada de outros tempos. Mas tem se flagrado uma outra Elza: "Fico admirada de eu ter coragem de falar que estou namorado.Acabou o acanhamento. Sinceramente, acho que rejuvenesci. Parece que somos os mesmos de antes.Ele é muito romântico. Ele tem me ensinado issoe acho bom. Ele nem parece ter 80 anos".

Outra Elza, enamorada.

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